Olfato x sobrevivência

24 de maio de 2011

Nem a descoberta do fogo nem as migrações transoceânicas. Foi o nariz que levou o homem a ocupar o posto de dominador do planeta. Parece bizarro, mas é o que sugere uma pesquisa publicada na edição desta semana da revista Science. Na história da evolução, costumam levar vantagem as espécies com cérebro maior. Graças a isso, os primeiros mamíferos, criaturinhas pouco expressivas na época dos dinossauros, acabaram com a soberania de lagartos e aves e firmaram-se como os donos da Terra. E, se o cérebro cresceu, todos os animais dessa classe — incluindo o Homo sapiens — devem agradecer aos focinhos dos ancestrais de 190 milhões de anos atrás.

Usando tomografias computadorizadas de alta resolução, um grupo de paleontólgos do Museu Carnegie de História Natural e das universidades do Texas e de St.Mary concluiu que o olfato foi responsável por aumentar o volume cerebral. Os pesquisadores examinaram os crânios raríssimos do morganucodon e do hadrocodium, duas das mais antigas espécies de mamíferos conhecidas. Eles descobriram que as cabecinhas, provenientes do Jurássico, abrigavam cérebros bem maiores do que o esperado para aquele período.

“Claramente, as partes do cérebro relacionadas ao olfato e à sensação tátil através da pelagem aumentou nesses animais. Um senso tátil e olfativo sofisiticado pode ter sido crucial para os mamíferos sobreviverem e serem bem-sucedidos no início da nossa história evolutiva”, explica ao Correio Zhe-Xi Luo, do Museu Carnegie de História Natural.

O paleontólogo passou vários anos estudando esses fósseis, mas, até eles serem escaneados na tomografia, era impossível conhecer os detalhes internos de seus crânios. “Fiquei completamente ‘maluco’ ao ver o formato do cérebro desses nossos parentes de 190 milhões de anos”, conta. Pesando apenas 2g — o corpo inteiro —, o hadrocodium, por exemplo, tinha um cérebro bastante grande comparado à sua minúscula massa corporal. Graças a essa característica, foi batizado assim por Luo, seu descobridor. Em latim, hadro significa cheio, enquanto codium quer dizer cabeça.

[FOTO2]A tarefa de investigar o interior dos crânios dos minúsculos ancestrais ficou nas mãos de Thomas Macrini, paleontólogo da Universidade de St. Mary, no Texas. A partir da análise das estruturas internas dos fósseis, Macrini construiu, virtualmente, os cérebros desses mamíferos. O órgão foi comparado a dados registrados de outros 10 fósseis e de 200 espécies de mamíferos que vivem atualmente. “Foi um resultado surpreendente. Mesmo há 190 milhões de anos, os cérebros dos mais antigos mamíferos eram notavelmente grandes em relação à massa corporal, com uma proporção entre cérebro e restante do corpo vista ainda hoje nos mamíferos modernos”, conta Macrini ao Correio.

Despertar
“Agora temos uma ideia bem melhor da sequência histórica dos eventos e da importância dos diferentes sistemas sensoriais no início da evolução dos mamíferos. A descoberta pinta um quadro muito mais vívido de como eram os ancestrais mamíferos e como se comportavam”, afirma, em nota, o principal autor do estudo, Tim Rowe, diretor do Laboratório de Paleontologia de Vertebrados da Universidade do Texas em Austin. Com o olfato aguçado, os ancestrais milenares podiam reconhecer a presença de inimigos, identificar fontes de alimento e fugir de diferentes tipos de perigo. Para acompanhar essa habilidade, o cérebro foi crescendo, até que outros sentidos também se despertaram.

Segundo o grupo de pesquisadores, depois do olfato, o sentido tátil foi o próximo motor evolutivo. Os pelos não serviam apenas para proteger do frio, mas para facilitar o deslocamento dos pequenos mamíferos. Com a cobertura extra, eles podiam entrar e sair de tocas sem machucar a pele. E, conseguindo se esconder em qualquer buraco, aumentaram as chances de sobrevivência.

Graças à sofisticação desses dois sentidos, o cérebro dos primeiros mamíferos começou a ficar mais complexo, desenvolvendo a região do neocórtex. Essa área está envolvida em tarefas como comandos motores, o que, de acordo com os cientistas, fez com que esses pequenos mamíferos ganhassem coordenação neuromuscular. Nos dois fósseis, o tamanho do cerebelo — a região do cérebro responsável pela integração sensomotora — aumentou incrivelmente, o que suporta a ideia de que os primeiros mamíferos desenvolveram cedo uma coordenação neuromuscular avançada que, até hoje, é uma característica exclusiva dessa classe.

Fonte: Correio Braziliense

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