O cochilo pós-almoço que desestressa
17 de abril de 2013Sábios são os espanhóis, que, diariamente, fecham as portas de seus estabelecimentos comerciais por volta da 1 hora da tarde para as reabrir somente lá pelas 3, quando retornam revigorados do sagrado período da siesta. O costume, que para nós brasileiros se traduz em tirar uma soneca depois de almoçar, se tornou alvo da ciência. Um time de psicólogos e neurocientistas do Allegheny College, nos Estados Unidos, avaliou os benefícios do sono diurno na recuperação cardiovascular após uma situação tensa. Para isso, separaram 85 pessoas em dois grupos. Um deles deveria dormir por 45 minutos durante o dia enquanto o outro permanecia acordado. Todos os participantes foram submetidos a testes de estresse.
Os cientistas também aferiram a pressão arterial e constataram que ela se apresentou mais baixa entre a turma que repousou. Em outras palavras, o impacto negativo do nervosismo sobre as artérias foi revertido mais rapidamente.
“Outros trabalhos já demonstraram que descansar após o almoço diminui a pressão sistólica”, confirma o cardiologista Marco Antônio Gomes, do Departamento de Hipertensão da Sociedade Brasileira de Cardiologia, sem se espantar. Ao falar em pressão sistólica, ele se refere ao número de maior valor que aparece registrado no aparelho de medição.
Os especialistas especulam que esse fenômeno seria comandado pelo cérebro, mais precisamente pelo sistema nervoso central, que é dividido em simpático e parassimpático. O primeiro acelera e o segundo coloca um freio nas funções fisiológicas. “Quando dormimos, há redução da atividade simpática, o que relaxa os vasos e diminui os batimentos cardíacos”, explica o pneumologista especialista em sono Pedro Genta, do Hospital do Coração, em São Paulo. Entendeu então a lógica de uma soneca como sobremesa?
A curta duração de um cochilo não desmerece suas qualidades. “Em 45 minutos, é possível atingir a fase três do sono”, diz Pedro Genta (veja infográfico na página 70). Ou seja, dá tempo suficiente de ele se aprofundar a ponto de proporcionar vantagens ao corpo.
Vale reforçar, porém, que é na escuridão da noite que o cérebro secreta um hormônio fundamental para que se adormeça bem pra valer: a melatonina. “Uma venda nos olhos ou um quarto escuro ajudam a simular o descanso noturno, potencializando a ação positiva da sesta”, ensina Marco Antônio.
Como a medicina está longe de ser uma ciência exata, a recomendação de deitar depois do almoço não é incontestável. “Há um estresse ao despertar, que intensifica a coagulação e a descarga de adrenalina, acelerando o coração”, avisa Gomes. Segundo ele, suspeita-se que isso aconteça tanto no sono noturno como na sesta. “Por isso, ela não é indicada a quem tem alto risco cardiovascular, como diabéticos, obesos e fumantes”, alerta.
A essa advertência soma-se outra: “O cochilo pode diminuir a duração do repouso à noite, gerando sonolência e fadiga no dia seguinte, o que faz a pessoa sucumbir à sesta novamente, entrando em um círculo vicioso”, diz a neurologista Dalva Poyares, do Instituto do Sono, em São Paulo. Isso não significa que ela seja radicalmente contra a pausa em pleno expediente. “Quando o sujeito é privado do sono regular, muitas vezes precisa complementá- lo”, opina. Nesses casos, aconchegar- se na poltrona seria bem-vindo.
E, para quem quer mais um argumento para se render à moleza vespertina, aí vai: a tentação de mergulhar no sofá logo que acaba a refeição atende a uma necessidade natural do organismo. “Durante a digestão, a circulação sanguínea se concentra na região visceral”, explica Gomes. Daí que, carentes de abastecimento, o cérebro e o coração trabalham em marcha lenta e a sonolência impera. Assim, quando surgir um ímpeto irresistível de tirar uma pestana, ninguém deveria acusá-lo de preguiçoso! Afinal, há um bom motivo fisiológico.
O despertar da memória
Se você puder se dar ao luxo de se entregar ao travesseiro por 90 minutos à tarde, sua capacidade de reter informações aumentará. Foi o que o pesquisador Avi Karni, da Universidade de Haifa, em Israel, verificou ao finalizar um experimento em que também comparou indivíduos que fizeram a sesta com outros que se mantiveram em vigília no período vespertino. “Quando dormimos depois de uma tarefa de leitura, por exemplo, as áreas cerebrais responsáveis pela consolidação da memória permanecem ativas”, diz Karni!. “A vantagem é que essa região fica inteiramente dedicada ao registro, sem interferência de fatos ou experiências externas que desviam nossa atenção o tempo todo quando estamos em alerta”, completa.
As fases do adormecer
Como os períodos do sono repercutem no organismo
O sono cumpre ciclos de 90 minutos em que se alternam as etapas classificadas como NREM e REM. A primeira é subdividida em quatro estágios. Os dois iniciais se caracterizam pela liberação da melatonina, que marca o início do relaxamento, a redução do ritmo cardíaco e da pressão arterial. Nos dois últimos, ocorre o aprofundamento do descanso. No sono REM, nós sonhamos e processamos as informações assimiladas durante o dia. Acredita-se que os 45 minutos de cochilo diurno sejam capazes de contemplar pelo menos as três primeiras fases do sono NREM, promovendo os efeitos descritos abaixo.
1. No sistema nervoso central, cai a atividade do sistema simpático, aquele que agita o organismo, e predomina o parassimpático, que faz o coração trabalhar mais devagar e a pressão baixar.
2. A calmaria induz a queda dos níveis de cortisol no sangue, o hormônio do estresse. Daí, o nervosismo e a ansiedade vão embora.
E o almoço?
Tirar uma pestana após uma refeição pesada, especialmente quando o indivíduo fica deitado, pode fazer com que o conteúdo estomacal retorne para o esôfago, provocando mal-estar, como azia ou enjoo. Sesteie, sim, mas como complemento de uma refeição mais leve.
Fonte: Saúde É Vital