USP fará teste em voluntários para estudar efeitos do canabidiol no sono
26 de agosto de 2014Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto (SP) começarão a fazer testes com canabidiol para estudar os efeitos no sono do composto químico presente na maconha. De acordo com o professor da Faculdade de Medicina (FMRP) José Alexandre de Souza Crippa, o teste com a substância em outros distúrbios neurológicos já apresentou resultados positivos e 40 voluntários estão sendo convocados para participar do novo estudo.
A instituição confirmou os testes depois de ter enviado, em julho, uma carta aberta à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) defendendo a reclassificação do canabidiol, com circulação vetada no país. Atualmente, remédios que contém a substância só são utilizados por pacientes que possuem autorização especial para importação concedida pelo próprio diretor da agência ou ainda sentença jurídica com a mesma finalidade.
Sono e Mal de Parkinson
Através do estudo, os pesquisadores pretendem observar a atuação do canabidiol no sono, avaliando, por exemplo, se a substância mantém os níveis de relaxamento durante a noite.
“Já mostramos previamente que o canabidiol é capaz de atuar melhorando alguns distúrbios do sono, especialmente em pacientes com Parkinson, em um transtorno de modo específico chamado transtorno comportamental de sono REM, que não tem tratamento farmacológico adequado atualmente”, explica Crippa. Testes foram feitos em alguns animais, que também apresentaram melhoras no quadro de insônia.
No caso dos pacientes com Mal de Parkison – doença progressiva que atinge os movimentos devido à disfunção dos neurônios – a substância reduziu outros sintomas, além de aliviar os problemas enfrentados por eles na hora de dormir.
Diante disso, o professor diz que, primeiramente, esse novo estudo quer entender como o canabidiol funciona em pessoas sem alterações do sono, para, em seguida, investigar sua atuação em pacientes com insônia.
Voluntários
Para participar do novo estudo da USP, o voluntário, homem ou mulher, precisa ter a idade mínima de 18 anos e não apresentar nenhum distúrbio de sono. Também é preciso preencher informações solicitadas por um formulário de triagem online, através do qual será avaliado se a pessoa está apta ou não a participar. Moradores de Ribeirão Preto e não fumantes terão preferência.
Segundo Crippa, os selecionados devem passar, pelo menos, duas noites no Hospital das Clínicas da FMRP, fazendo um teste chamado polissonografia, mais conhecido como exame do sono, durante o qual será administrada uma dose de canabidiol. Haverá ajuda de custo para cobrir eventuais despesas com transporte e alimentação.
Polêmica
Enquanto tentam demonstrar a eficiência do componente no sistema neurológico, os pesquisadores precisam enfrentar a polêmica dos testes com o canabidiol, já que o medicamento do componente é ilegal no Brasil. “A polêmica é porque o canabidiol é um composto que está presente na Cannabis sativa [maconha]. Se ele estivesse na jabuticaba, por exemplo, não haveria nenhuma polêmica”, garante o pesquisador.
Ele explica que o problema surge no uso clínico da substância e na possibilidade do composto ser receitado por médicos. Contudo, para sua aplicação em pesquisas, não há impedimento algum, de acordo com os padrões definidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Em maio, uma reunião da Diretoria Colegiada do órgão, em Brasília, discutiu se o canabidiol deveria ser retirado da lista de substâncias de uso proscrito para entrar para a lista de substâncias de controle especial (comercializado com receita médica de duas vias). Porém um dos diretores pediu vista do processo, o que adiou a decisão.
Crippa lembra, ainda, que o canabidiol é apenas um dos 480 componentes da maconha e que, portanto, não podem ser interpretados como sinônimos. “O canabidiol não causa dependência, nem abstinência, nem tolerância. E não tem efeitos colaterais maiores”, afirma e frisa que a maconha, enquanto conjunto de componentes, oferece sim riscos à saúde.
A preocupação com a confusão entre a planta e seu componente é tamanha que os pesquisadores estão propondo a mudança do termo “maconha medicinal” para “canabinóide medicinal”. A proposta faz parte da carta aberta da FMRP à Anvisa, na qual foi defendida a reclassificação do canabidiol.
Resultados
A pesquisa do efeito da substância nos padrões do sono é apenas mais uma de uma série de estudos da FMRP sobre o componente. “Nós já demonstramos eficácia [do canabidiol] na doença de Parkinson, nos transtornos de ansiedade, mostramos em esquizofrenia, em doenças do sono – em algumas delas -, além disso, nós testamos em dependência de maconha e, um estudo que estamos concluindo com um grupo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), em dependência de crack”, diz Crippa.
O grupo de estudos da USP de Ribeirão é responsável pelo maior número de pesquisas nesta área. Em todos os testes, a substância se mostrou bastante segura para a correção de certas deficiências do organismo.
Esse foi o caso da menina Anny, de seis anos, portadora da síndrome CDKL5 (doença rara, que, entre outros sintomas, apresenta sinais de epilepsia grave). De acordo com seus pais, um medicamento à base de canabidiol reduziu as crises de convulsões e trouxe mais qualidade à vida da menina. Contudo, foi necessário ganhar na justiça o direito de importar o remédio dos Estados Unidos, onde sua venda é permitida.
Fonte: G1