Os mistérios do cheiro
6 de abril de 2010Nem é preciso estar diante do forno para saber qual a sobremesa do jantar. Da massa da torta se desprendem moléculas de odor que se espalham pelo ar, penetram nas narinas e atingem um grupo especial de células na porção mais interna do nariz, próximo à base do crânio, disparando mensagens químicas que permitem ao cérebro decifrar o sabor da torta: maçã, com um toque de canela.
Sem olfato não há prazer em comer: o repertório da língua se limita a salgado, doce, amargo, azedo e umami – o sabor do monoglutamato de sódio, o aji-no-moto. A capacidade de perceber aromas é o que dá sentido aos temperos e ervas aromáticas e que permite distinguir entre um suco de laranja e um de abacaxi.
Nos últimos anos começou-se a conhecer com mais detalhes como o sistema olfativo decifra os odores e permite, por exemplo, que se distinga, apenas pelo aroma, uma rosa de um jasmim ou um copo de leite bom de outro estragado. Parte dessas descobertas se deve ao trabalho da bioquímica Bettina Malnic, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP).
Nos últimos anos Bettina decifrou o que se pode chamar de código dos cheiros, ou seja, como as diferentes moléculas de odor interagem com os neurônios e disparam as informações que serão interpretadas pelo cérebro, permitindo aos seres humanos distinguir um repertório com milhares de odores. Ela descobriu que cada molécula de odor se encaixa em mais de um tipo de proteína na superfície dos neurônios do fundo do nariz.
É como se cada molécula de odor fosse uma minúscula estrela em que nem todas as pontas são iguais – e cada ponta diferente tem afinidade com um receptor. Cada receptor, por sua vez, pode receber estrelas com composições distintas, desde que ao menos uma das pontas tenha as características necessárias para se encaixar nele.
Essa constatação levou a pesquisadora a concluir que o sistema nervoso reconhece cada molécula pelo conjunto de receptores específicos em que ela se encaixa, e não por um único deles. O código por combinações aumenta em muito o repertório do faro humano.
Fonte: Revista Pesquisa FAPESP