12 notícias do maior congresso sobre câncer do mundo
8 de junho de 2020Realizado online pela primeira vez por causa da pandemia do coronavírus, o tradicional congresso da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco, na sigla em inglês) reuniu, entre os dias 29 e 31 de maio, 42 700 especialistas para apresentar as principais novidades no combate ao câncer. Em 2020, ganharam destaque estratégias contra tipos da doença para os quais não havia avanços recentes, como as neoplasias trofoblásticas, que ocorrem raramente em certas gestantes, e tumores de próstata e pâncreas em estágio avançado.
Algumas das descobertas contaram com a participação de cientistas brasileiros. O encontro virtual incluiu ainda dados fresquinhos sobre a relação entre o câncer e a progressão da Covid-19.
1) Um exame que aperfeiçoa a indicação de quimioterapia para câncer de mama
O Oncotype X, teste genético que identifica mutações nos próprios tumores, alcançou até 96% de eficácia em determinar se uma mulher com câncer de mama em estágio inicial realmente se beneficiaria da quimioterapia.
Uma das etapas da pesquisa incluiu 155 voluntárias do Hospital Pérola Byington, em São Paulo. Entre elas, 151 haviam sido direcionadas para receber tanto quimio quanto hormonioterapia. Mas, com a investigação do DNA tumoral, notou-se que só 47 precisariam de fato da quimioterapia. A novidade pode ajudar a evitar tratamentos desnecessários, que só agregam reações adversas e mal-estar à mulher.
2) Mais personalização vem aí
Uma das maiores promessas do mundo oncológico é a individualização do tratamento. Hoje, testes modernos ajudam a determinar qual droga será mais eficaz contra aquele tumor em específico, baseado em seu perfil genético e outras análises. No encontro da Asco, pesquisadores alemães apresentaram um algoritmo que analisa os dados moleculares priorizando alterações tratáveis por fármacos já liberados ou em estudo.
A tecnologia melhorou o prognóstico de tumores infantis. Entre 525 crianças, 149 tinham um tipo da doença que poderia receber terapias selecionadas pelo algoritmo. Um grupo mais seleto, de 20 pequenos, apresentou altíssima compatibilidade com alguma droga. Nessa segunda parcela, a taxa de sobrevivência sem progressão do câncer foi de 204 dias, ante 114 nos outros pacientes (quase o dobro).
3) Câncer de próstata combatido sem bloquear a testosterona
Está aí outra baita novidade de um estudo brasileiro, o primeiro no mundo a avaliar o uso isolado de tratamentos que não comprometem a produção da testosterona em homens com câncer de próstata metastático (que já se espalhou pelo corpo). Quando surge pela primeira vez, um nódulo maligno na glândula é combatido com cirurgia, quimio ou radioterapia. Contudo, se ele volta, muitas vezes é preciso fazer a castração química, que derruba os níveis de testosterona.
“Só que a falta do hormônio traz efeitos colaterais importantes, como disfunção sexual, perda de massa muscular e aumento do risco de infarto”, aponta Gustavo Cardoso Guimarães, cirurgião oncológico, diretor do Instituto de Urologia, Oncologia e Cirurgia Robótica (IUCR).
A pesquisa nacional, conduzida pelo oncologista Fernando Maluf, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, comparou a abordagem tradicional a medicações chamadas de inibidores da sinalização androgênica. “Elas impedem que a testosterona seja utilizada pelo tumor, mas não interrompem sua produção”, comenta Guimarães.
Essas drogas já são aplicadas nas recidivas — quando a doença volta a dar as caras. Mas, até então, sempre vinham acompanhadas da tal castração. No trabalho de Maluf, foi demonstrado que os inibidores da sinalização androgênica podem ser eficazes sozinhos. Falta confirmar exatamente em quais pacientes essa tática seria suficiente, pois nem todos os voluntários atingiram os resultados esperados. Ainda assim, estamos diante de uma notícia animadora.
4) Impactos da Covid-19 no tratamento e pesquisa do câncer
No painel sobre o assunto, o Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos exibiu os principais abalos da pandemia na oncologia. Foram eles: atrasos no diagnóstico, queda no rastreamento dos tumores e interrupções no tratamento.
A entidade citou ainda limitações impostas às pesquisas da área, com ensaios clínicos parados e laboratórios fechados. Mesmo antes do congresso da Asco, oncologistas já vinham calculando o custo da pandemia. “Estimamos que mais de 2 milhões de cirurgias oncológicas deixaram de ser feitas no mundo, 40 mil delas no Brasil”, projeta Gustavo Guimarães.
5) Câncer é fator de risco para mortes por coronavírus
Dois estudos sobre o efeito da doença no prognóstico da Covid-19 foram destaque na programação. O primeiro, conduzido pelo consórcio de especialistas CC19, avaliou 928 indivíduos com câncer nos Estados Unidos que contraíram o Sars-CoV-2.
Cerca de 120 faleceram, o que corresponde a uma letalidade de 13%, consideravelmente mais alta do que na população em geral. Os fatores mais associados ao óbito eram ter um câncer progredindo negativamente e uma idade superior a 65 anos.
O outro trabalho envolveu 400 pessoas com tumores torácicos. Os achados foram semelhantes, com a descoberta adicional de que ter uma comorbidade, em especial hipertensão, reduzia ainda mais a chance de sobrevivência à Covid-19.
Um ponto comum entre os dois experimentos é o de que o dano já provocado pelo tumor influencia na resposta à infecção. Para chegar a essa conclusão, os médicos apostaram na escala ECOG, que mede a funcionalidade do indivíduo. “Não houve mortes entre os que não tinham nenhum comprometimento clínico ou na autonomia”, destaca Guimarães.
6) Olaparibe diminui a recidiva de câncer de ovário…
Esse medicamento, da Astra Zeneca, atua na expressão dos genes BRCA 1 e 2, cujas mutações costumam fomentar tumores de ovário reincidentes. Em estudo apresentado na Asco, ele foi comparado com um placebo em um grupo de cerca de 300 mulheres já submetidas anteriormente à quimioterapia (uma das primeiras opções nesse cenário).
Os cânceres no órgão costumam responder bem à quimio, mas o retorno da doença é frequente. “O que a nova pesquisa mostra é um ganho significativo no tempo de vida sem a doença, que aumentou para mais de um ano”, comenta Andréa Gadelha, oncologista clínica do IUCR e do A.C.Camargo Cancer Center.
Em outras palavras, a paciente fica consideravelmente mais tempo sem conviver com um câncer ativo. Sinônimo de, no mínimo, maior qualidade de vida.
7) …e pode ajudar pacientes com tumores de próstata e pâncreas
Esses males também podem ser financiados por alterações nos genes BRCA. Em dois pequenos estudos, o tratamento com o olaparibe promoveu respostas positivas por pelo menos 16 semanas em 70% dos participantes com câncer de próstata e em 31% dos com tumores no pâncreas. Ambos os grupos sofriam com estágios avançados das enfermidades.
“É um dado interessante, porque esses indivíduos em geral não têm perspectiva de melhora. Eles ficam apenas sob cuidados paliativos”, pontua Andréa. As pesquisas fazem parte de uma iniciativa maior da Asco, batizada de TAPUR, que investiga como aplicar o mesmo remédio em mais de um tipo de tumor com base em seu perfil molecular.
8) Imunoterapia melhora prognóstico do câncer colorretal
Estamos falando do pembrolizumabe (da MSD). Em uma das pesquisas discutidas na reunião da Asco, o composto dobrou o tempo de vida sem progressão da doença em pessoas com câncer colorretal metastático — de 8 para 16 meses —, quando comparado com a quimioterapia.
A ideia é que o medicamento passe a ser receitado como primeira opção para esse tipo de tumor. Ele pertence à classe dos imunoterápicos, que interfere na própria resposta de defesa do organismo contra o câncer e é considerada um dos principais avanços na oncologia dos últimos tempos.
9) Mais imunoterapia, agora contra um câncer ginecológico raro
Outro fármaco dessa família, o avelumabe (Merck e Pfizer), trouxe esperança para um tipo raro de tumor feminino que costuma aparecer durante ou após a gravidez. São as neoplasias trofoblásticas. “Fazia tempo que não víamos novidades nessa categoria”, comemora Andréa.
No congresso da Asco, a Pfizer apresentou um estudo inicial baseado em 15 mulheres com reincidência dessa doença — o que ocorre com frequência. Mais da metade (oito delas) foram consideradas curadas ao fim de um ano de acompanhamento. O levantamento ainda é pequeno, porém traz perspectivas positivas.
10) Mesmo perto do diagnóstico do câncer de pulmão, parar de fumar aumenta chance de sobrevivência
Já se sabe que largar o cigarro melhora o prognóstico de eventuais tumores pulmonares que aparecerem no futuro. Mas um trabalho apresentado na reunião da Asco destaca que, mesmo quando essa medida saudável só ocorre pouco tempo antes do surgimento da enfermidade, ainda assim os pacientes colhem benefícios concretos.
A investigação foi feita com mais de 35 mil indivíduos de diversos países. Ex-fumantes que largaram o vício menos de dois anos antes do diagnóstico tiveram um risco 12% menor de morrer quando comparados aos tabagistas. Ter cortado o cigarro há mais de cinco anos reduzia o perigo de morte em 20%.
“Os resultados fornecem um incentivo adicional aos fumantes de longa data, porque mostram que nunca é tarde para parar”, destacou, em comunicado à imprensa, o oncologista Howard Burris, presidente da Asco.
11) Após cirurgia para câncer de pulmão, osimertinibe aumenta tempo sem doença
Um tipo específico de câncer de pulmão, o de não pequenas células com mutações no gene EGFR, apresenta alta probabilidade de reincidência mesmo que a quimioterapia e as cirurgias sejam consideradas um sucesso.
Quem convive com ele em estágio avançado já pode recorrer ao osimertinibe (Astra Zeneca), uma droga que se enquadra no grupo das terapias-alvo. Trocando em miúdos, são tratamentos que miram uma molécula específica da doença, como um míssil teleguiado.
No caso do osimertinibe, o alvo atende pelo nome de tirosina quinase, uma enzima envolvida no crescimento do nódulo maligno. Pois um novo trabalho, conduzido pela Universidade Yale, dos Estados Unidos, indica que ele também é bem-vindo em fases mais iniciais da doença.
Ao analisar 682 portadores desse tipo de câncer que tomaram o medicamento depois da primeira cirurgia, os cientistas notaram redução de 83% no risco de reincidência ou morte.
12) Cuidados paliativos para pessoas com leucemia mieloide aguda
Essa versão agressiva de leucemia frequentemente demanda quimioterapia intensiva, o que derruba qualidade de vida durante a internação. Mesmo no fim da vida, as pessoas passam por tratamentos agressivos, com efeitos colaterais relevantes no estado psicológico.
Eis que médicos das universidades norte-americanas Harvard e Duke compararam dois grupos de pacientes. Ambos receberam a estratégia farmacológica tradicional, porém só um passou por cuidados paliativos.
A última da turma, ao fim do estudo, relatou maior qualidade de vida e menos sintomas de ansiedade e depressão. Além disso, era mais aberta a discutir seus cuidados terminais.
Fonte: Saúde