Imunização: “As pessoas se esqueceram de como algumas doenças são ruins”

24 de janeiro de 2014
vacina

O americano Seth Berkley, 56 anos, é uma das autoridades em imunização no mundo. Médico especializado em doenças epidemiológicas e saúde pública internacional, ele é o presidente da Aliança Global para Vacinas e Imunização (Gavi Alliance), uma parceria público-privada que financia o fornecimento de vacinas a preços reduzidos para os 73 países mais pobres do mundo.

Desde que foi lançada, em 2000, a Gavi Alliance já imunizou 288 milhões de crianças, evitou mais de 5 milhões de mortes e ampliou a cobertura vacinal mundial de 73% para 83%. Até 2020, a organização pretende salvar mais de 10 milhões de vidas e prevenir mais de 200 milhões de casos de doenças.

Berkley trabalhou como epidemiologista em 25 países, incluindo o Brasil, onde estudou um surto de febre purpúrica e outras doenças tropicais, nos anos 1980. Em 1996, ele fundou a maior iniciativa mundial para o desenvolvimento da vacina contra a aids, a International Aids Vaccine Initiative (Iavi), que presidiu por quinze anos.

É o médico quem vai coordenar a distribuição da primeira vacina brasileira para exportação, anunciada em outubro de 2013. Cerca de 30 milhões de doses anuais contra rubéola e sarampo serão produzidas por meio de uma parceria firmada entre o laboratório Bio-Manguinhos, a Fundação Oswaldo Cruz e a Fundação Bill & Melinda Gates.

Berkley vê uma diferença entre como as vacinas são recebidas nos países miseráveis onde a Gavi atua e nas nações ricas do Ocidente. Enquanto pessoas sem acesso à saúde fazem de tudo para chegar a um posto de vacinação, uma camada da população de países desenvolvidos escolhe não vacinar seus filhos.

 

Há um fenômeno no Ocidente de pais deixarem de vacinar seus filhos por considerar a imunização prejudicial. Por que o ceticismo em relação às vacinas está aumentando?

Em nações desenvolvidas, as pessoas buscam cada vez mais consumir produtos orgânicos e encontrar alternativas naturais de vida. Como várias doenças estão erradicadas, as pessoas esqueceram quão ruins elas são e não as veem como ameaçadoras. O interessante é que, quando há surtos de moléstias que matam bebês e deixam outros seriamente doentes, como um de rubéola recentemente no País de Gales, os pais correm para vacinar seus filhos. É o contrário do que acontece na maioria dos países em que a Gavi atua. Em Estados pobres, as vacinas são muito bem aceitas. As pessoas chegam a caminhar um dia inteiro ou fazer várias viagens para chegar ao posto de vacinação, porque veem que essas doenças matam e afetam pessoas o tempo todo.

 

Diversos sites e blogs são engajados em divulgar males provocados por vacinas. O que o senhor diria para quem acredita nessas teorias?

Nem todo mundo tem o cuidado de ter fontes confiáveis para publicar notícias. Uma vez que uma notícia se espalha na internet, é difícil corrigi-la. Houve, por exemplo, um estudo que relacionou a vacina de rubéola e sarampo a casos de autismo. Dezenas de pesquisas posteriores de larga escala foram realizadas e nenhuma encontrou relação entre o autismo e as vacinas. Como consequência, a publicação foi desacreditada e o autor perdeu sua licença médica. Mas a primeira notícia continua na internet. Se você não é especialista em epidemiologia ou ciência, fica difícil entender que doenças relativamente comuns em crianças podem se manifestar no dia em que elas são imunizadas, na véspera ou no dia seguinte, porque a moléstia vai aparecer por acaso. Então a questão não é “vacinei meu filho e a doença tal apareceu”. É preciso analisar se, depois da vacinação, a incidência da doença aumentou como um todo.

 

Por que as vacinas não são 100% seguras?

Vacinas criam um falso alarme de que o organismo foi infectado. O sistema imune responde, de modo que a pessoa estará protegida no futuro. É preciso encontrar a medida certa para o organismo responder, sem causar efeitos colaterais. A maioria das vacinas tem efeitos colaterais raros,geralmente relacionados a substâncias que não aceitas por uma pequena parcela da população.

 

Quantas crianças morrem anualmente em decorrência de doenças que poderiam ser prevenidas com vacinas?

Cerca de 1,5 milhão.

 

O programa de imunização brasileiro tem cobertura de 95%. Mesmo assim, de tempos em tempos, há surtos de doenças como rubéola e coqueluche. Por que isso acontece?

Uma cobertura de 95% normalmente significa que algumas áreas têm 100% de cobertura e outras 85% ou 90%. Se esse padrão se repete por um tempo, esses 15% que não foram imunizados ficam suscetíveis ao contágio, de modo que podem se infectar e criar uma epidemia. Isso é diferente do que tem acontecido hoje em muitas partes do mundo: pessoas infectadas por um agente que vem de outros países.

 

Neste ano, o governo brasileiro começará a imunizar meninas de 11 a 13 anos contra HPV. Em 2015, o público-alvo serão crianças de 9 a 11 anos. Do ponto de vista médico, qual é a idade certa para vaciná-las?

Há um consenso de que é preciso imunizar as meninas antes que elas iniciem a vida sexual. Como não é possível datar esse evento individualmente, o que se tem feito é dar a vacina alguns anos antes que isso aconteça. Alguns países adotam como parâmetro 9, 10 e 11 anos, pois há pouquíssimas meninas já ativas sexualmente nessa idade. Outros podem adotar 12 e 13 anos, mas aí o número de meninas sexualmente ativas aumenta. Se você tomar três doses antes de iniciar a vida sexual, estará protegida contra o câncer cervical.

 

Mulheres mais velhas deveriam ser vacinadas também?

Depende do tempo em que a mulher é sexualmente ativa e do índice de contaminação de HPV no país. Se a mulher tiver 20 e tantos anos e um histórico de vários parceiros, provavelmente ela já estará infectada. Tomar a vacina não causará nenhum mal, mas tampouco prevenirá a doença.

Por que é importante países como o Brasil produzirem vacinas para exportação?

Vacinas são extremamente difíceis de fazer. Elas são feitas com um ser vivo, em um processo caro e complicado. Não é como um medicamento, que você pode criar na sua garagem, com a condição que o remédio seja quimicamente puro. Por causa do custo elevado de produção, há apenas alguns produtores de vacinas, que só querem estar onde o mercado é grande o suficiente para justificar o investimento. Nesse cenário, países como Brasil e Índia desempenham um papel importante. Como eles têm um consumo doméstico que os permite produzir em larga escala, podem também aumentar sua capacidade para exportar. Há muito tempo estamos tentando fabricar vacinas no Brasil. Esperamos ainda mais no futuro.
As vacinas do Brasil serão mais baratas do que as comercializadas por grandes farmacêuticas?

Eu ainda não posso falar sobre o custo. As doses provavelmente serão mais baratas do que as produzidas por grandes farmacêuticas ocidentais, mas mais caras do que as fabricadas em partes do mundo como a Índia, em função de custos trabalhistas, fornecedores etc.

 
Estão definidos os países para onde as vacinas produzidas no Brasil serão exportadas?

A Gavi fornece para os 73 países mais pobres do mundo. Quando os países se tornam mais ricos, essa lista muda. Há nações na Ásia, América Latina, Leste da Europa e, principalmente, África.

 

O senhor presidiu por quinze anos o maior programa mundial para o desenvolvimento de uma vacina contra a aids. Em 2013, a vacina foi testada com sucesso em macacos. Quando o senhor acha que a vacina estará pronta?

É muito difícil prever o timing da ciência. Estou entusiasmado pela incrível pesquisa que tem sido feita para desenvolver remédios que neutralizem os anticorpos e pelo trabalho de injetar coisas que produzam esses anticorpos. Mas não posso dizer quando a vacina ficará pronta. Espero que seja logo.

 

Estimativas iniciais previam que a vacina ficasse pronta por volta de 2008. Por que está demorando mais do que o imaginado?

A vacina contra o HIV é provavelmente a mais desafiadora que a ciência já tentou desenvolver. A razão disso é que o vírus está sempre mudando e não há exemplos de pessoas imunes a ele. Se compararmos as mutações do vírus de HIV com o de gripe, o da gripe teria o tamanho de uma tampa de garrafa, enquanto o do HIV, o de uma garrafa. É um problema muito maior, mas estou convencido de que os cientistas vão resolver essa equação.

 

O vírus da gripe é mutante e, por isso, muita gente diz que a vacina contra a doença seria inútil. Qual é a sua opinião?

A vacina contra a gripe não é incrível, mas funciona em aproximadamente 70% dos casos, em alguns anos mais, em outros menos. É verdade que o vírus pode mudar e a vacina não ser tão boa, mas ainda assim ela previne milhares de mortes. Algumas pesquisas que fizemos para a vacina do HIV estão sendo usadas na tentativa de criar uma vacina global contra a gripe.

 

É possível desenvolver vacinas sem testá-las em animais?

Creio que seja possível, mas todas as agências regulatórias exigem, como medida de segurança, que as vacinas sejam primeiramente testadas em animais, antes de injetadas em bebês saudáveis. Do ponto de vista regulatório, nenhum lugar do mundo vai dispensar esses experimentos preliminares, feitos na maioria dos casos em roedores, coelhos e, mais raramente, macacos.

 

Quais devem ser as próximas vacinas a serem lançadas?

Nossa prioridade é a vacina japonesa contra encefalite, na Ásia. Outra aposta é a vacina contra malária, que está nos últimos testes.
Fonte: Veja

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