Poluição sonora aumenta incidência de doenças e mortes

4 de abril de 2011

Poluição sonora vai muito além de um mero incômodo. Barulho em excesso mata. O alerta veio de pesquisa divulgada esta semana pela Organização Mundial de Saúde, realizada exclusivamente na Europa. Segundo o levantamento, os habitantes daquele continente, somados, perdem 1 milhão de anos de vida a cada ano em decorrência de problemas de saúde desencadeados – ou agravados – por exposição excessiva a ruídos.

A urbanização e a expansão do sistema de transportes estão entre os motivos para que o barulho seja cada vez mais sentido à noite. O sono interrompido por aviões, carros ou pelo vizinho inconveniente custa mais do que olheiras e indisposição no dia seguinte. Um descanso intermitente compromete o crescimento de crianças, e, nos adultos, acelera o envelhecimento celular. Doenças degenerativas, como diabetes e hipertensão, podem dar as caras precocemente.

Mais sensibilidade a ruídos agudos e intermitentes

As pesquisas relacionadas a como o brasileiro dorme ainda são poucas e esporádicas. Dois anos atrás, um levantamento da Associação Brasileira do Sono (ABSono) revelou que 43% da população não teriam um sono restaurador, e, por isso, sentia-se cansada durante o dia. Agora, o Instituto do Sono conclui trabalho semelhante, realizado em São Paulo. Os resultados preliminares são categóricos: o paulista passa por maus bocados para descansar à noite.

- Você pode estar dormindo, mas não o seu ouvido. Ele trabalha 24 horas por dia – lembra Ektor Onishi, otorrinolaringologista da Sociedade Brasileira de Otologia. – O excesso de barulho é interpretado pelo nosso cérebro como fator estressante. Qualquer som o faz procurar, em sua memória, um significado. Por isso, quando somos expostos a um ambiente muito ruidoso, podemos nos sentir cansados como se tivéssemos feito um esforço físico.

Há sons a que o ser humano é especialmente suscetível. Ruídos intermitentes são mais despertáveis do que os contínuos. E os agudos também nos tiram com facilidade da cama.

Não há uma medida única sobre o barulho suficiente para nos tirar do sono profundo. Trata-se de um dado individual. Para pessoas que sofrem transtornos emocionais e de ansiedade, a tolerância é menor.

A exposição frequente a um determinado ruído pode dar a $ção de imunidade. O vizinho de um viaduto, por exemplo, com o tempo, passaria a ignorar a passagem de carros enquanto estivesse dormindo. As noites, enfim, passam a ser tranquilas? Não, segundo Flávio Aloé, neurofisiologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

- A pessoa acha que se acostumou, mas o ruído ainda está lá. Por isso, há prejuízo na qualidade do sono, que fica mais curto e superficial – ressalta. – Após cinco a dez anos de exposição a um fator ambiental, este problema transforma-se em um quadro clínico.

Antes de procurar um médico, muitos decidem tentar “desligar-se” dos ruídos por conta própria. Após uma noite mal dormida, abusam da cafeína. E, para ignorarem os barulhos à noite, recorrem ao álcool.

- Há quem descubra que uma bebida, como vinho, a fez dormir bem, e passa a usá-la como algo terapêutico – conta Aloé. – A pessoa sabe que aquilo a que recorreu não é remédio e lhe fará mal, mas, enquanto não afetá-la, ela continuará usando este artifício. O problema é que nem todos percebem quando isso passa a ser um vício.

Os vizinhos de ambientes barulhentos e os que recorrem ao álcool têm algo em comum: mais dificuldade para atingir o almejado sono profundo. Sua noite é pontuada por microdespertares – quando alguém acorda, mas sem tomar consciência disso.

Quanto mais fragmentado o sono, maior o leque de problemas a curto e médio prazo.

- O sono não terá proporcionado um bem-estar físico e mental. Assim, não estamos cognitivamente preparados para enfrentar o dia seguinte – assinala Andrea Bacelar, vice-presidente da ABSono. – Já despertamos cansados e irritados. Os reflexos estarão diminuídos, o desempenho no trabalho ficará comprometido. A médio prazo, as consequências são ainda piores: as células envelhecerão precocemente, expondo-nos a doenças como hipertensão.

Entre as consequências, até problemas de crescimento

O sistema imunológico, que tampouco aproveitou a oportunidade de reparação durante a noite, ficará mais sujeito a infecções. Mesmo uma simples gripe atuará mais tempo no organismo de alguém com problemas de sono do que entre aqueles que dormem bem.

Até o desenvolvimento do corpo está em jogo. Afinal, o hormônio do crescimento só é produzido durante o sono profundo. E, no adulto, ele é responsável por aumentar o tônus muscular, o vigor físico e dar textura à pele.

Algumas medidas podem ser tomadas para garantir uma boa noite de sono (e afastar-se de um prontuário tão amplo).

- O paciente pode gerar um ruído contínuo no próprio cômodo, abafando outros sons: ligar o ventilador, pôr uma música… – sugere Andrea. – Não são ruídos elevados, que deixariam o sono superficial.

A instalação de janelas antirruído também é uma saída. Outros equipamentos, que bloqueariam até instrumentos musicais potentes, como piano e tuba, estão sendo testados em laboratório. Até que cheguem ao mercado com preços acessíveis, porém, pode demorar. Melhor esperar deitado. Dormindo, de preferência.

Fonte: O Globo

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