Qual é o papel da tireoide na gestação?

20 de abril de 2015
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Hemograma, glicemia, tipo de sangue e RH. Esses e outros exames fazem parte do pacote pré-natal. Esse cuidado, se for feito antes da gravidez e regularmente ao longo dela, ajuda a cuidar não só da saúde das futuras mamães como do bem-estar do bebê. Mas muitas mulheres não sabem que, tão importante quanto checar os níveis de hemoglobina e açúcar do sangue, é saber a quantas anda a função da tireoide.

A glandulazinha que fica localizada na altura do pescoço produz dois hormônios (o T3 e o T4) essenciais para o metabolismo energético do organismo, isto é, para manter as funções vitais do organismo e também a temperatura do corpo sempre em torno de 36,5 °C. Mais do que isso, a tireoide tem um papel importantíssimo na gestação, não apenas favorecendo a fecundação, mas também ajudando a “segurar” o embrião no útero. “A grande questão hoje é que o exame de tireoide, para detectar a queda desses hormônios (o chamado hipotireoidismo) ou o excesso de produção deles (que define o hipertireoidismo), não é algo para o qual a mulher atenta antes de engravidar, nem para o qual os ginecologistas olham com a devida atenção, se não há sintomas”, diz Maria Fernanda Barca, doutora em endocrinologia pela USP.

O hipotireoidismo é frequente entre as mulheres, especialmente a sua versão subclínica, ou seja, aquela que não tem sintomas evidentes. “Estudos mostram que o hipotireoidismo subclínico chega a atingir de 2 a 5% das mulheres”, declara Patricia El Beitune, professora do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (RS). E é aí que mora o perigo. “O quadro clínico não é específico, e os sintomas são facilmente confundidos com alterações próprias da gestação”, alerta. E, justamente porque não apresenta os clássicos sinais de deficiência dos hormônios tireoidianos – cansaço, dificuldade para perder peso, pele ressecada -, a futura mãe pode enfrentar complicações ao longo da gestação.

A gravidez é, naturalmente, um fator de estresse para a tireoide, porque a glândula precisa fabricar até 50% mais hormônio para dar conta tanto da mãe quanto do bebê. Se ela não funciona a contento ou se a mulher tem a chamada tireoidite de Hashimoto – a causa mais comum de hipotireoidismo na gravidez (leia em Tireoidite de Hashimoto é comum em mulheres) -, o risco de aborto espontâneo cresce até três vezes. “Estudos também mostraram que a probabilidade de parto prematuro aumenta e que o bebê pode nascer pequeno e menos ativo”, afirma a doutora Maria Fernanda.

Segundo Leslie De Groot, presidente da força-tarefa que resultou nas recomendações da Sociedade de Endocrinologia (EUA) para o manejo de disfunção da tireoide, o hipotireoidismo também está associado ao aumento do risco de hemorragia pós-parto, hipertensão gestacional, anemia e descolamento de placenta. “Também já foi bem estabelecido que, em regiões do mundo com falta de iodo, o hipotireoidismo é causa de baixo QI em crianças”, diz De Groot. De acordo com Maria Fernanda, os hormônios da tireoide participam do desenvolvimento das células nervosas (os neurônios). “Se a mãe apresenta baixos níveis de hormônios tireoidianos, a criança poderá apresentar dificuldade de aprendizado e de memória.”

Outro alerta: o hipotireoidismo também reduz as chances de sucesso da fertilização in vitro. “Mulheres que tiveram sucessivos fracassos devem checar a possibilidade de ter carência de hormônios tireoidianos”, alerta Maria Fernanda.

Como prevenir

Quando a mulher apresenta sintomas “claros” de carência dos hormônios da tireoide, fica fácil para o médico alertar para o diagnóstico e solicitar o teste hormonal antes mesmo de ela decidir engravidar, ou durante o pré-natal. Se for constatado que ela tem o distúrbio, basta introduzir a correção com hormônios e fazer um acompanhamento de perto com um endocrinologista, visto que será preciso ajustar as dosagens ao longo da gravidez. “O ideal é que a mulher que queira engravidar realize um planejamento. Entre os exames solicitados nessa ocasião, deve-se incluir um para avaliar o hipotireoidismo”, recomenda Patricia.

Feito o diagnóstico, deve-se começar a fazer o tratamento à base de hormônios sintéticos em comprimidos. Só depois que a doença estiver controlada é que a mulher deve engravidar. “Mulheres tratadas antes de engravidar não têm risco aumentado de complicações, quer dizer, os riscos são basicamente os mesmos de uma mulher que não tem o problema”, afirma o doutor Leslie.

Segundo Patricia El Beitune, a probabilidade de complicações só é grande em mulheres que não receberam tratamento nas primeiras 18 semanas de gestação. “O feto começa a produzir hormônios tireoidianos ao redor da 12ª semana de gestação. Antes disso, o processo de amadurecimento do cérebro depende do T4 da mãe que está circulando no sangue – daí a importância de um adequado tratamento materno para prover as necessidades do bebê. Ele só começa a produzir hormônio da tireoide em quantidade significativa a partir da 18ª semana.”

Mas há uma boa notícia! Evidências apontam que, mesmo quando a mulher descobre o problema já durante a gravidez, o tratamento é capaz de reverter os possíveis prognósticos ruins. Um estudo realizado pelo endocrinologista e pesquisador italiano Roberto Negro mostrou uma importante queda do risco de aborto espontâneo e de parto prematuro em mulheres que tinham hipotireoidismo sem sintomas, mas que receberam hormônio, quando comparadas com aquelas que tinham a doença, mas que não foram tratadas.

Tireoidite de Hashimoto é comum em mulheres

Diversas são as causas de hipotireoidismo, mas a mais comum é a tireoidite de Hashimoto. O distúrbio é autoimune, ou seja, faz com que o sistema de defesa do corpo passe a não reconhecer a tireoide, atacando-a como se fosse um organismo invasor. O resultado é uma inflamação que pode levar à destruição das células da tireoide e à baixa produção dos hormônios T3 e T4.

Exame de tireoide antes de engravidar: toda mulher deve fazer?

Especialistas do mundo todo têm se debruçado sobre o tema, e a verdade é que não há um consenso em relação a isso. Por um lado, há médicos e endocrinologistas que defendem a universalidade do teste; por outro, há peritos que afirmam que o custo-benefício não se justificaria. “Pessoalmente, acredito que seria sensato que todas as mulheres que pretendem engravidar fizessem o teste”, diz o doutor Leslie.

No Brasil, a recomendação é de que apenas mulheres com alto risco para o hipotireoidismo se submetam ao exame. “São mulheres com histórico familiar para a doença, que têm alguma outra doença autoimune – por exemplo, diabetes, vitiligo, artrite reumatoide ou lúpus -, que já passaram por uma cirurgia na tireoide, que tiveram tireoidite no pós-parto e que tiveram repetidas vezes abortos naturais”, explica Maria Fernanda.

O exame capaz de identificar o hipotireoidismo mede os níveis de T4 livre no sangue e também do TSH, o hormônio estimulante da tireoide. O TSH impulsiona a glândula a produzir T3 e T4. Quando as taxas desses hormônios estão normais, eles inibem o TSH. Por isso, se esse hormônio estiver muito alto, é sinal de que a glândula não está liberando o T3 e o T4 como deveria.

No pós-parto, doença pode ser confundida com depressão

Um estudo feito por Maria Fernanda Barca e publicado na revista Clinical Endocrinology mostrou que mulheres que não têm hipotireoidismo podem, nesse período, desenvolver tanto essa doença quanto o hipertireoidismo após o bebê nascer. “Durante a gravidez, o sistema imune fica alterado, para não haver rejeição ao feto. Quando a criança nasce, os anticorpos voltam à ativa, até mais agressivos, e podem investir contra a tireoide, atacando-a como se ela fosse um corpo estranho e causando uma inflamação que pode evoluir para a tireoidite de Hashimoto”, diz

Como alguns dos sintomas de hipotireoidismo lembram a depressão – desânimo, cansaço, entre outros -, muitas mulheres são diagnosticadas com ela, quando, na realidade, deveriam estar sendo tratadas para a tireoide. “O ideal é que elas façam exame de ultrassom e de sangue um mês após o parto e, depois, apenas exame de sangue de dois em dois meses, até um ano depois de o bebê nascer. Isso para se certificarem de que não apresentam o problema e de que não está havendo uma evolução para ele”, diz a médica.

Ainda não se sabe ao certo por quê, mas, em 60% das mulheres que desenvolvem hipotireoidismo pós-gravidez, a doença regride em até 1 ano e meio depois do parto; e, em 40%, ela evolui para a tireoidite de Hashimoto.

Maria Fernanda conta que o uso regular de 200 microgramas de selênio é capaz de reduzir em até três vezes as chances de o distúrbio aparecer depois do nascimento do bebê. “O selênio é um anti-inflamatório natural, ajudando a minimizar o processo inflamatório que pode levar à síndrome de Hashimoto.”

 

Fonte: mdemulher.abril.com.br

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